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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES ANTE A FORÇA DO PROGRESSO, ALGUNS COSTUMES SILENCIAM


O trem resfolegando apitava lá de longe e a cidade se mexia caminhando em direção à estação, ali na orla do rio Mamoré. Gente que chegava abraçando gente que aguardava na calçada da gare. Uns empurravam outros, com a sofreguidão e com a ansiedade tão bem guardadas no recôndito da alma, esperando pelo reencontro.
Mas ocorre que o trem parou... nem foi embora. Está ali encostado. Não anda mais.
Mas a danada da saudade dele, no meu peito ainda ficou.
Entrementes, o violão, desafiando a escuridão, insistia em empurrar a noite para os braços da madrugada. O seresteiro, tão bem afinado, dele retirava os acordes para acompanhá-lo na composição. Ora um bolero, ora um samba-canção, ali na frente da casa da namorada, que, atrás da janela, ouvia emocionada a toada que ele cantava para ela... Mas os novos tempos chegaram e o violeiro emudeceu e o violão calou-se...
Mas a danada da saudade deles, no meu peito ainda ficou.
Nesse interregno, as festas nos clubes intensamente freqüentados concorriam para que o rapaz colocasse o melhor traje e, as meninas, o vestido mais criativo e moderno, realçado pela maquiagem mais exuberante, que elevava aos píncaros a auto-estima da garota, mulher moça, cuja preparação já ia acontecendo dez dias antes.
As Lojas Pernambucanas vendiam os seus tecidos e as modistas exercitavam uma competição, que pudesse granjear-lhe mais prestigio, a partir dos comentários sobre o modelo que mais chamou a atenção.
Em algumas residências as festinhas, ao som das eletrolas, davam a cadência no clima de romantismo dos namoros iniciantes. No palco do Clube até o Cassino de Sevilha apresentou-se para encantamento da platéia extasiada. Mas aqueles fecharam as portas ou passaram a ser condomínio privativo de alguns poucos... ocorre que, ante a força do progresso ou em face da omissão, aquelas associações desapareceram...
Mas, a danada da saudade das festinhas e daqueles antigos bailes, no meu peito ainda ficou.
Enquanto as horas eram substituídas pelos dias, estes pelos anos, aqueles pelas décadas, os jogos de futebol, volibol, basquete, futebol de salão, os campeonatos municipais, as delegações de Porto Velho, Riberalta, Manaus, Rio Branco, as seleções da cidade iam levando a bandeira do município para outros rincões... Até que... meu Deus, até isso, como do nada, evaporou?...
Mas a danada da saudade do estádio e das partidas, que empolgavam a torcida, no meu peito ainda ficou.
Nesse meio tempo, aos domingos, a Praça Mário Corrêa transformava-se no local em que os meninos ficavam nos bancos, enquanto as meninas desfilavam na calçada, em grupos, enaltecendo a alegria, como se estivessem numa passarela e eram impulsionados pelos cupidos de plantão, instante em que muitos namoros nasciam e se transformavam em noivados e até em casamentos.
Aconteceu que aqueles meninos e aquelas meninas se transformaram em adultos, em pais e mães e até em avós. Todavia, depois, outros meninos não se valeram mais da praça, nem dos mesmos bancos, nem da passarela, e a vida ali murchou. E a exuberância daqueles momentos deixou de existir...
Mas a danada da saudade da pracinha no meu peito ainda ficou.
E na praça já citada, por conta de antigos madrigais, a banda da cidade, que a tantos enterneceu, já não toca aquele dobrado, que um dia me comoveu. A sua ausência ensejou o sumiço do jardim, que num tempo floresceu. Mas a praça perdeu o seu brilho porque se sentiu abandonada por muitos dos filhos seus. E a banda, cujos acordes tão fortes a muitos emocionou, que celebravam a vida, já não se apresenta mais.
Sem querer, querendo, fiz novas rimas, por conta da emoção e do sentimento dos meus ais.
Mas a danada da saudade daquela bandinha no meu peito ainda ficou.

E as ruas lá do centro, cheias de gente e calor humano, em que os bom dia e boa tarde significavam a educação que nos foi dada, por onde passavam os homens e mulheres mais velhos, amigos de nossos pais, e ainda carros, carroças e bicicletas, eram, por seu turno, o local das grandes emoções. Ali, seringalistas e comerciantes faziam as suas negociações. Todavia, o comércio deslocou-se para outras imediações, transferindo o clima e o ambiente daquelas transações.
De dia, a claridade olha aquele local meio de esguelha e, de noite, não há iluminação.
Mesmo assim, a danada da saudade, tão teimosa, no meu peito ainda ficou.
Eu sei que o progresso, com a sua intensidade e força deságua na mudança de hábitos, cenários, ambiente e ações. Mesmo assim, por ouvir tanto silêncio e, ao mesmo tempo a voz tonitruante do abandono, eis que ela me chegou tão de mansinho... “foi chegando sorrateira, e antes que eu dissesse não, se instalou feito uma posseira, dentro do meu coração”...
É a danada da saudade que no meu peito não sai mais... pelo menos essa ficou!